Sexta-feira, Abril 19, 2024
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O desmantelamento da Administração Pública atinge os Professores

Os professores não ficarão imunes à Reforma da Administração Pública.  A filosofia e os princípios que norteiam o Governo para as pretensas reformas que deseja implementar neste domínio são os mesmos para as carreiras especiais da Função Pública.
A coberto do slogan ?menos Estado e melhor Estado? e do obcecado propósito da redução do défice público e do cumprimento do pacto de estabilidade orçamental, os funcionários públicos, sob acusação de incompetência, esbanjamento de dinheiros públicos e mau serviço à Nação, foram obrigados a sentar-se no ?banco dos réus? e sem direito a defesa, uma vez que o Governo afirmou não estar disposto a ouvir ou aceitar as propostas das organizações sindicais que contrariassem a filosofia da dita ?Reforma?.
A obediência cega transformou-se em palavra de ordem. O direito ao diálogo, à negociação, à concertação, à informação e participação dos parceiros sociais  e, por que não, à indignação dos que se opõem à ?febre? das privatizações dos serviços e funções públicas, da precaridade do trabalho com a vulgarização dos contratos individuais, da aplicação do Código de Trabalho a toda a Administração Pública, dos despedimentos colectivos e sem justa causa, das mobilizações forçadas dos trabalhadores, das reformas adiadas e dos vencimentos limitados por modelos de avaliação prepotentes que, em nome da economia, da eficiência e da eficácia, introduzem mecanismos de coacção inaceitáveis, são agora direitos recusados.
Que bela democracia esta! Transformou-se na democracia do ?faz de conta?, porque a Constituição da República Portuguesa ainda obriga ao cumprimento de algumas formalidades legais, já que o verdadeiro espírito democrático que deve presidir à tomada de decisões foi ?chão que deu uvas?, como diz o povo.
Nesta cruzada contra a Função Pública onde, numa perspectiva economicista , se enaltece ?tudo? o que é privado e se deprecia ?tudo? quanto é público, tendo por base critérios de rentabilização  económica, há que lembrar que muitos destes ganhos de eficiência da dinâmica privada se fazem, em muitos casos, não pela melhor gestão ou modernização tecnológica das empresas, mas à custa do cerceamento constante dos direitos de quem trabalha e que na Função Pública estão salvaguardados pelo Código de Procedimento Administrativo e demais legislação laboral.
Estou certo que esta ilusão de ganho à custa da degradação social obrigará, mais cedo ou mais tarde, o Estado a pagar uma factura, de preço bem mais elevado, que ninguém pretenderá assumir.
Como professor e sindicalista, é meu dever alertar todos os docentes para os reflexos que esta Reforma da Administração Pública terá ao nível da classe docente, tendo por base a fundamentação que o Governo sustenta no relatório do Orçamento de Estado para 2004, no sentido de justificar, perante a opinião pública, um conjunto de medidas altamente penalizadoras que se encontram em fase de preparação legislativa, em diplomas, alguns dos quais já na ?gaveta? aguardando ordem de publicação, sobre a Revisão do Estatuto da Carreira Docente, a Gestão e a Avaliação, que vão pôr em causa direitos que levaram um quarto de século a conquistar.
A agressividade desta política emerge da constatação  de que ?Portugal tem uma despesa em educação, em percentagem do PIB, superior à média europeia e uma eficiência do sistema educativo inferior a essa média.? Se é verdade que esta argumentação pode parecer lógica aos olhos de alguns, ela não colhe junto dos professores, por considerarem-na pouco sensata, uma vez que o desenvolvimento sócio-económico da sociedade portuguesa não é comparável às demais sociedades europeias . O nível de vida, de conforto e bem estar dos Espanhóis, Franceses e Ingleses e, consequentemente, das suas crianças está muito distante do ambiente sócio-familiar de muitas das crianças portuguesas que na escola revelam todos os dias as fragilidades de quem luta pela sobrevivência, de quem convive com as mais elevadas taxas de analfabetismo e alcoolismo da Europa, de quem sente que está no país mais pobre da Comunidade Europeia, onde as assimetrias sociais são cada vez mais evidentes.
Os governantes portugueses esquecem-se de que o que estão a investir agora, já foi investido há longo tempo pelos outros países e que os resultados obtidos por eles no presente são consequência das sementes que germinaram há muito. Não há que ter ilusões, porque a escola que temos é o produto da sociedade em que vivemos. É tão injusto quanto utópico exigir dos professores a construção de uma escola de excelência e de elevado sucesso, quando a sociedade está longe de o ser.
As mudanças fazem-se mobilizando sinergias e não promovendo afrontas com o aumento das exigências e a redução das regalias. Não podemos aceitar passivamente o duplo castigo físico e psicológico que o Governo se prepara para aplicar aos docentes obrigando-os a leccionar ?de bengala?, à disputa e à conflitualidade entre colegas pela obtenção das quotas que darão direito à progressão na carreira, a sentir a instabilidade e a insegurança decorrente dos contratos individuais de trabalho, a sujeitar-se a uma gestão unipessoal e autoritária, a experimentar a angústia da mobilidade forçada e o desespero em alcançar resultados que não dependem exclusiva e directamente do esforço e do trabalho do professor.
Os professores não merecem ser culpabilizados pelo insucesso dos idealismos que têm caracterizado as sucessivas Reformas. O nosso descontentamento tem de fazer-se ouvir enquanto é tempo, sob pena de o nosso silêncio ser transformado em cumplicidade.

Armando Dutra
Dirigente do SPRA

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