Quinta-feira, Março 28, 2024
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Educação Especial na mira economicista do Governo

 

FENPROF CALCULA QUE A APLICAÇÃO DESTA MEDIDA REDUZA, EM CERCA DE 60%, O NÚMERO DE ALUNOS COM DIREITO A APOIO

Que o Ministério da Educação tratava mal a Educação Especial e os alunos que dela necessitam, era postura de todos conhecida, confirmada, no ano ainda em curso, com a colocação de quase duas centenas de docentes sem formação nem experiência na Educação Especial.

Com a publicação de um novo diploma legal para a área da Educação Especial – Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, com a alteração introduzida pela Lei 21/2008, de 12 de Maio – foram introduzidas profundas alterações nesta área educativa, das quais, como oportunamente a FENPROF denunciou, uma das mais graves é a utilização da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (vulgarmente designada por CIF) para decisão sobre a elegibilidade de alunos referenciados com necessidades educativas especiais (NEE) para obterem ou manterem apoios especializados a nível da Educação Especial.
A adopção da CIF para este efeito só pode ter um objectivo: afastar milhares de crianças e jovens das medidas de apoio da Educação Especial e, desta forma, reduzir drasticamente o número de professores no sistema, neste caso, os de Educação Especial.



Utilização da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (vulgo, CIF) será factor de discriminação, pondo em causa a Escola Inclusiva 

A fúria economicista do Governo, porém, vai tão longe que o Decreto-Lei publicado em Janeiro retirou às escolas a possibilidade, prevista no Decreto-Lei n.º 319/91 (entretanto revogado), de reduzirem para 20 o número de alunos das turmas com crianças ou jovens com NEE, não podendo estes serem mais do que dois por turma. Esta alteração do número de alunos por turma, degrada as condições de aprendizagem dos alunos e de trabalho dos docentes. Mas esse não é problema para o Ministério da Educação e para o Governo, pois a sua intenção é completamente alcançada: aumenta o número de alunos por turma, reduz o número global de turmas, logo, podem dispensar-se mais alguns milhares de docentes. Quanto ao decréscimo da qualidade da resposta educativa, para o ME, parece tratar-se, apenas, de um efeito colateral.

APLICAÇÃO DA CIF REDUZ DRASTICAMENTE OS APOIOS E M.E. IMPÕE TAXA DE INCIDÊNCIA ADMINISTRATIVA

As recentes medidas aprovadas pelo ME/Governo em relação a alunos com NEE que integram a rede de Educação Especial, expressas na utilização da CIF, terão consequências muito graves já a partir de Setembro de 2008 (início do ano lectivo 2008/2009), calculando a FENPROF, pelos levantamentos que já começou a efectuar e pelas declarações dos responsáveis do ME, proferidas ontem em Conferência de Imprensa, que poderão atingir cerca de 60% dos alunos que deveriam ser e não serão devidamente apoiados. Convirá acrescentar que, de acordo com entidades idóneas no estudo e acompanhamento desta problemática – designadamente o Fórum de Estudos de Educação Inclusiva e o Centro de Desenvolvimento da Criança, do Centro Hospitalar de Coimbra (CHC) – a taxa de incidência de NEE deverá, na Educação Pré-Escolar e Ensino Básico, situar-se entre os 10 e 11%. Todavia, o ME pretende que, nas escolas, tendo em conta o número de alunos que deverão ser apoiados pela Educação Especial, essa taxa se situe entre os 1.5 e 2.2%, sendo aconselhado às “equipas de monitorização” que esta se fixe nos 1.8%.

Ainda segundo o Centro de Desenvolvimento da Criança do CHC, mesmo que o apoio da Educação Especial dependesse, exclusivamente da CIF e esta merecesse uma aplicação restritiva, mesmo assim, na pior das hipóteses, encontrar-se-ia um valor acima dos 2.5%. Contudo, acrescentam, a taxa de incidência de NEE, logo, de alunos que deverão ser apoiados, situa-se nos 10%.

Há “equipas de monitorização”, que o ME criou para esse efeito, que em algumas zonas já estão a deslocar-se às escolas para verificarem a situação de cada aluno, no sentido de justificarem, ou não, a sua inclusão nas medidas que foram impostas ao sector, validando/invalidando os processos individuais. A intolerável pressão que o ME tem vindo a exercer sobre os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas daquelas zonas, através destas “equipas”, para que se proceda à reavaliação de todos os alunos com NEE por referência à CIF, afasta da Educação Especial milhares de alunos até aqui abrangidos. Os cortes são tão brutais que muitos docentes, médicos e psicólogos se têm recusado participar neste processo de reavaliação, tendo denunciado os seus efeitos perversos na educação de milhares de crianças e jovens, tomando posições públicas.

A FENPROF lamenta que, para este ME/Governo tudo valha para reduzir investimentos numa área de fundamental importância para o desenvolvimento do País: a Educação. Nem as crianças e os jovens com limitações, problemas e dificuldades específicas escapam ao cego economicismo do Governo.

POSIÇÕES ASSUMIDAS POR ENTIDADES RECONHECIDAMENTE IDÓNEAS REFORÇAM A DA FENPROF

Esta posição da FENPROF é partilhada, como antes se referiu, por quem, no terreno, trabalha com estas crianças e jovens e conhece, de facto, os problemas. De acordo com o documento conjunto da Sociedade Portuguesa de Neuropediatria e o Colégio de Neuropediatria, enviado às Direcções Regionais de Saúde, com conhecimento ao Ministério da Educação, ao Ministério da Saúde e à Ordem dos Médicos:

O apoio educativo deve ser fundamentado essencialmente em NECESSIDADES EDUCATIVAS particulares e não em necessidades de saúde, daí a inadequação da CIF (um instrumento criado para fornecer uma linguagem interdisciplinar e para classificar os indivíduos com necessidades especiais, de acordo com a suas funções) como critério de elegibilidade de serviços de educação especial. Os apoios devem dirigir-se a necessidades individuais específicas de cada criança e não a “rótulos” ou “classificações”.

Por outro lado, a fundamentação e a decisão relativa ao apoio, é da responsabilidade da educação, devendo a informação médica ser complementar e reforçar a informação educativa, no processo de avaliação.”

O mesmo documento conjunto, depois de referir que “Esta [CIF] é uma classificação que não provou ter qualquer utilidade e tem vindo a ser posta em causa em vários países“, a título de exemplo, compara planos e acrescenta que “As decisões médicas de fazer uma TAC, um cariótipo ou um EEG, não dependem dos relatórios educativos, o que não significa que a informação dos professores não seja frequentemente útil e desejável para complementar a nossa observação e a informação dos pais. Mas a decisão final relativamente à saúde e aos procedimentos que a ela dizem respeito, é dos médicos.”

Termina-se afirmando que “Estão a ser recebidas por nós “cheklists” relativas à CIF. O preenchimento desta “cheklists” é da responsabilidade dos professores e não pode ser passada por quem não utiliza nem vê utilidade prática na forma como esta classificação é usada.”

Neste sentido vai também a opinião do Dr. José Boavida, reputado médico da equipa do CHC (Centro de Desenvolvimento da Criança) que, em documento que fez chegar à FENPROF considera que:

Independentemente de a CIF ser uma classificação com virtualidades, bem-intencionada, desenvolvida numa perspectiva ecológica e que categoriza os indivíduos com base na sua funcionalidade, não foi criada com o objectivo primário de definir critérios de elegibilidade para fins educativos. A sua adaptação a este fim implicaria, em nosso entender um trabalho prévio, desenvolvido por um grupo de trabalho intersectorial, no sentido de identificar um número reduzido (20 a 25) de códigos-chave correctamente seleccionados, das funções e estruturas do corpo, actividades, participação e factores ambientais, relevantes para efeitos de educação especial.

Relativamente às informações de saúde da criança, apenas pensamos ser importante referir para os serviços de educação, aquelas que tenham relevância para o desenvolvimento do plano educativo. Ora as longas checklists que recebemos diariamente para preenchimento, incluem na sua maioria itens que, ou não conseguimos avaliar adequadamente, ou são totalmente irrelevantes para fins educativos.

 

Nesse sentido, não vemos qualquer utilidade prática para as crianças e jovens, na elaboração dos relatórios com base na CIF ou no preenchimento de checklists, relativamente às quais não vemos qualquer utilidade.

 

Reiteramos a posição de que não pode ser atribuída aos médicos, a responsabilidade pelo não apoio de qualquer criança.”

Também o documento enviado aos Directores de Turma e aos Professores, pelo Centro de Desenvolvimento da Criança Luís Borges, do Hospital Pediátrico de Coimbra, integrado no Centro Hospital de Coimbra é claro:

“…compete-nos informar que continuaremos a colaborar na orientação para atribuição de apoio do ensino especial às crianças seguidas no nosso serviço que dele necessitam como sempre o fizemos: o envio de informação clínica relativamente aos problemas de saúde, através de relatório médico a que se associará, quando pertinente, informação do psicólogo e/ou terapeuta que acompanhe a criança no CDC.

Quanto ao equívoco gerado pela interpretação do DL 3 de 2008 de que competiria possivelmente aos médicos assistentes o preenchimento do questionário CIF, compete-nos lembrar que as escolas/agrupamentos escolares devem, no espírito da lei, ser dotados de equipas psico-pedagógicas que façam a completa avaliação das necessidades educativas dos alunos, fazendo uso da CIF, de modo a propor aos respectivos conselhos pedagógicos a atribuição de apoio do ensino especial em cada caso.

Temos receio de que pela confusão assim instalada e à qual somos alheios, muitas crianças com reais necessidades educativas especiais, possam ficar sem o apoio adequado.”

CORTES JÁ CONHECIDOS CONFIRMAM PREOCUPAÇÕES E DENÚNCIA DA FENPROF

Entretanto, no Centro e no Sul do país, as direcções regionais de educação já iniciaram o trabalho no terreno com a deslocação das “equipas de monitorização” às escolas. Os poucos resultados já conhecidos, de alguma forma ilustram o que antes se afirmou sobre a dimensão dos cortes pela utilização da CIF. Vejamos alguns exemplos:

 

 

AGRUPAMENTO

Alunos abrangidos em 2007/2008

(DL 319/91)

Alunos previstos para 2008/2009

(DL 3/2008)

% de Redução

Vila de Bispo

43

15

65%

Júdice Fialho (Portimão)

52

12

77%

D. Martim Fernandes (Albufeira)

48

20

58%

João Rosa (Olhão)

70

30

57%

Neves Júnior (Faro)

67

21

68%

Salir (Loulé)

69

18

74%

Cacela (Vila Real de Stº António)

20

8

60%

D. Afonso III (Faro)

135

52

62%

Monchique

24

8

66.6%

José Buisel (Portimão)

50

20

60%

D. Martinho Castelo Branco (Portimão)

40

17

57.5%

Vidigueira

38

12

68%

Cuba

24

15

38%

Valongo do Vouga (Águeda)

70

23

67%

Murtosa

62

18

71%

Condeixa

93

40

57%

Marrazes

170

55*

68%

Ana Castro Osório (Viseu)

54

29

47%

Canas de Senhorim

50

26

48%

* Encontram-se ainda 48 casos pendentes de reavaliação.

Esta decisão do ME/Governo, vertida em Lei, tudo indica que deixará sem apoio muitos milhares de crianças e jovens que dele necessitam, que provocará piores condições de trabalho nas escolas públicas e que deteriora as condições de aprendizagem de todos os alunos.

É neste quadro que a FENPROF tem denunciado a mentira dos responsáveis do ME quando afirmam ser sua intenção defender a Escola Pública. Não é verdade, como se confirma com mais esta situação que a FENPROF, mais uma vez, denuncia.

A POLÍTICA DO GOVERNO PARA ESTA ÁREA ABRE PORTAS AO NEGÓCIO DOS PRIVADOS

À custa destas decisões políticas do Governo e das medidas que as concretizam, abrem-se portas para negócios que não deveriam existir. Em Coimbra, por exemplo, já está a ser distribuído a pais e encarregados de educação um folheto em que se informa que abrirá um novo serviço -privado, claro – que dará apoio a crianças que não tendo qualquer deficit cognitivo, nem lesão sensorial ou neurológica, nem problema sociais ou familiares graves continua, apesar disso – acrescentam -, a ter problemas de aprendizagem.

Esse apoio, informam, será realizado através de psicólogos, professores, terapeutas da fala, técnicos de psicomotricidade, oftalmologistas, otorrinolaringologistas, fisiatras, posturologistas, médicos de oclusão e nutricionistas.

Informam, ainda, os pais que em Setembro a escola já terá definidos os apoios distribuídos, deixando implícito que os seus filhos ficarão excluídos, portanto, acrescentam, é importante começar já a pensar em preparar o apoio para a criança, em referência às que apresentam situações como as anteriormente descritas.

Quem paga? Claro está, os pais, pois o ME/Governo está a destruir o carácter inclusivo da Escola Pública e não lhes restarão alternativas públicas. A FENPROF repudia esta atitude ministerial que não tem em conta direitos essenciais de todas as crianças e jovens, que deverão ser reconhecidos e respeitados.

FENPROF CONTINUARÁ A LUTAR POR UMA ESCOLA VERDADEIRAMENTE INCLUSIVA

Face a esta gravíssima situação, a FENPROF:

1. Considera de grande importância que a Assembleia da República tenha em conta a Petição entregue pela FENPROF, com mais de 14.000 peticionários, e que o momento da sua discussão em Plenário seja a oportunidade para iniciar um processo de verdadeira alteração do actual enquadramento legal;

2. Exige do Governo o respeito por todos os alunos com NEE, designadamente através da adopção, pelo ME, de critérios educativos para a sua elegibilidade e a garantia dos apoios que se revelem indispensáveis;

3. Apresentará as suas preocupações, que constam deste documento, reforçando-as com outros documentos de especialistas e de serviços com responsabilidades nesta área, junto do Senhor Presidente da República, do Senhor Presidente da Assembleia da República, da Provedoria de Justiça, dos Grupos Parlamentares e da Inspecção-Geral de Educação;

4. Enviará, ainda, estes documentos às organizações representativas de pais e encarregados de educação, tanto mais que estes não têm sido envolvidos, nem se prevê que o sejam, no processo que conduz ao afastamento dos seus filhos.

5. Enviará, igualmente, a documentação ao Sindicato dos Inspectores de Educação e ao Sindicato dos Psicólogos Portugueses;

6. Solicitará audiências à Federação Nacional dos Médicos e à Ordem dos Médicos para apresentação das suas preocupações;

7. Denunciará o Estado Português junto da UNESCO por incumprimento de compromissos internacionais, designadamente por violação da Declaração de Salamanca subscrita em 1994;

8. Reforçará o seu trabalho com as Associações representativas de Deficientes, designadamente a APD e a CNOD;

9. Apoiará todas as escolas que, recusando-se excluir alunos com NEE da Educação Especial, venham a ser incomodadas pela administração educativa (quer Direcções Regionais de Educação, quer Inspecção-Geral de Educação).

Se o Governo pretende poupar dinheiro, reduzindo a despesa pública, que o faça cortando nos privilégios da classe política e nas mordomias e remunerações dos gestores e administradores de empresas públicas, investindo adequadamente na Educação, no Ensino e na Formação dos Portugueses. Se não o fizer, o actual Governo continuará a prestar um mau serviço ao País que já é hoje recordista de desigualdades dentro da União Europeia.

Quanto à FENPROF não abdicará de lutar por uma Escola Pública de Qualidade e verdadeiramente Inclusiva, pilar fundamental para o aprofundamento da democracia e para a construção de uma sociedade que, também socialmente, seja justa. Quando do ME/Governo se esperava a criação de condições para combater eficazmente flagelos como os insucesso e abandono escolares, com esta legislação, ME e Governo estão a actuar em sentido contrário!

Lisboa, 6 de Junho de 2008
O Secretariado Nacional

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